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Juiz

     Era conhecido como o juiz mau. Não era desejo de ninguém ser julgado por ele, pois suas penas eram duras quando comprovada a culpa. Tinha como discurso a frase "assassinato deliberado é um crime imperdoável", e mandava expulsar do tribunal familiares que falavam em perdão para assassinos. Certa vez o questionaram:

 

      - Você é firme com assassinos por considerar a vida o maior bem do homem?

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     - Não somente por isso - ele respondeu sem paciência. Não gostava de repórteres e sua grande habilidade de distorcer o que é dito - O assassino comete o crime não apenas para com o morto. A morte da vitima é apenas o início da consequência do ato, e a esta sequer é dada a oportunidade de lamentar o ocorrido. De certa maneira, podemos considerar que o morto é a vitima secundária, e que as vitimas primárias (as que irão sofrer mais com o crime) são os que ficam para lamentar a coisa.

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    - Mas se é este o seu ponto, por que reprimir familiares que perdoam os assassinos?

 

     - Porque são loucos. Quem realmente poderia perdoar não pode mais fazê-lo, pois está morto.

 

    - Mas não são eles as vitimas primárias? -- o repórter perguntou, com um sorrisinho que sugeria querer fazer o juiz de idiota.

 

     - Fico feliz que não seja burro o suficiente para não entender meu ponto. Mas não se esqueça que o morto, sendo vitima primária ou não, não está em condições de perdoar seu assassino. Os familiares podem falar por si (demonstrando serem consideravelmente estúpidos), mas não pelo morto.

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     - Mas aí você se confunde em sua filosofia -- o repórter disse com os olhos brilhando, como se achasse triunfoso ser mais esperto que um juiz.

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     O juiz deu de ombros e disse com simplicidade:

 

     - Bem, não sei porque me acusa de ser confuso. Afinal, cabe a mim julgar o crime cometido para com o morto, não para com a família. No dia que um morto surgir no tribunal e dizer que perdoa seu assassino, este não mandarei expulsar, e absorverei o acusado.

 

     - Mas você disse...

 

   - Minha tarefa é garantir a justiça para com o assassinado. Ponto. Agora suma da minha frente antes que outro juiz tenha de me julgar por assassinato.

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