top of page

E o Rio Levou

     Fernando caminhava distraidamente com seus fones de ouvido. No celular em seu bolso havia criado uma série de músicas com maravilhosas presenças de baixo. Deixava que seus passos o levasse instintivamente ao seu destino, sem prestar qualquer atenção ao que quer que passasse por ele, concentrando-se unicamente nos sons graves das músicas.

     Em certo momento, seus pés o levaram a uma ponte que passava por cima de um rio. A ponte tinha, certamente, uma mureta de proteção de cerca de um metro e meio, nas calçadas dos dois extremos dela, já que no meio havia asfalto para veículos. Ele a atravessou distraído, quando que no meio dela parou, tirou o celular do bolso, pulou algumas músicas e o colocou novamente no bolso para então voltar a andar.

Foi nessa pequena pausa que sua atenção ficou livre para o mundo ao seu redor. Antes que a música começasse a envolver sua mente, que o avistou:

     No colo de uma senhora idosa que conversava com uma mulher e um homem em frente ao que parecia ser o portão da velha (a primeira casa após o fim da ponte), um poodle de pelo branco e espesso o encarava. Os olhares dos dois se cruzaram e permaneceram se encarando por alguns instantes, até que Fernando sorriu para o bicho, por acha-lo fofo.

     O cachorro no entanto pareceu não gostar do sorriso de Fernando. Ao tempo em que soltava um rosnado pulou e escapou dos braços da dona, correndo e latindo em direção do rapaz que atravessava a ponte.

Fernando observou o bicho se aproximar rapidamente, e não achou que seria válido correr. Sem saber o que fazer, e com a coisa a cinco metros dele, levou sua perna direita para trás, tomou impulso e acertou o bichou em cheio. O poodle soltou um ganido de dor e subiu rodopiando, mas no entanto, não voltou ao chão da ponte. Sua queda o levou à mureta. Ele bateu ali e tombou de lado, caindo no rio.

     Nesse momento a velhinha e os outros com quem esta conversava alcançaram o lugar. A pobre senhora olhou seu cachorrinho ser levado pelo rio olhando-o com um olhar de desespero, enquanto ela gritava “Ralf!, Ralf”, que provavelmente era o nome do infeliz.

     Fernando no entanto estava tirando o fone de ouvido para conversar com o homem que ali estava, que parecia prestes a lhe dar alguns bicudos. Tentou se desculpar e se defender, mas o homem que lhe gritava não lhe dava espaço para falar. Por fim, cansou-se de ser ofendido. Com um movimento rápido e eficaz, levantou e empurrou o homem ao mesmo tempo, que pego de surpresa, não teve chance de se defender e foi jogado no rio também.

     A mulher que o acompanhava correu para a mureta e gritou “Amor!, Amor!”, antes de virar para Fernando e dizer:

     – Ajude-o, ele não sabe nadar.

     Fernando também não sabia. Perguntou a ela:

     – Você sabe?

     – Sei.

     Ele não pensou duas vezes, e a jogou no rio também.

     A velhinha estava chorosa. Fernando a olhou com sincera pena e perguntou:

     – Sabe quem sou?

     Ela fez que não, com os olhos lacrimejando. Fernando a olhou por alguns instantes, e por fim chegou a conclusão que não poderia ajuda-la. Cachorros são nadadores por natureza, e com sorte o dela chegaria à margem do rio e só precisaria encontrar o caminho de casa.

     – Lamento pelo cachorro – disse, mais por pena da tristeza que via nos olhos dela que pelo cachorro, que mereceu o chute. Afinal, ele não tinha feito mau algum para ser atacado. Colocou seu fone novamente e saiu rapidinho dali.

bottom of page