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Banheiro de Rodoviária


         Meu trabalho exigiu que eu me mudasse para um município a cento e noventa quilômetros da cidade onde nasci. Ainda assim, sempre que possível eu retornava para junto de minha família (quando surgia uma folga de dois ou mais dias).

         Em uma dessas oportunidades, me deparei com a falta do meu carro, que estava em manutenção por algum problema qualquer com a lanternagem. Resolvi que não deixaria de ver meus irmãos e minha mãe por isso. Comprei uma passagem de ônibus na rodoviária e me coloquei a caminho de casa.

         Pouco antes de chegar ao meu destino, o chacoalhar do ônibus já tinha me deixado enjoado e eu tive uma dor de barriga tremenda. Foi um alívio quando desci na rodoviária e me vi livre daquele desconforto chacoalhante.

         Mas a dor de barriga em si não me abandonou gradualmente como eu imaginei. Ela piorou, e me vi obrigado a perguntar a um guia turístico estupidamente sorridente onde eu encontraria um banheiro. E ele sorriu, de forma estúpida, quando perguntei se era um lugar limpo.

         Segui as orientações do rapaz e encontrei o pequeno corredor dos banheiros. Nada convidativos para pessoas com o menor dos sensos de higiene. Entrei na porta com a placa corroída por ferrugem indicando “homens”.

         Era um banheiro minúsculo e mal iluminado. Haviam cinco mictórios na parede, três pias encardidas, e no fundo, duas cabines com sanitários. Estava pensando se não seria melhor segurar até chegar em casa, quando minha barriga soltou um ronco, como se me dissesse que não esperaria mais, mesmo se eu quisesse.

         Fui então para a cabine mais distante da porta do banheiro. Fechei a porta de madeira, que tinha um espaço de dez centímetros do chão, abaixei a primeira tampa da privada e me sentei.

         Ao me sentar, olhei para a porta e vi que haviam várias coisas escritas ali, por canetas e caligrafias diferentes, de diferentes pessoas que estiveram onde eu estava.

         A primeira frase que li, a que estava diretamente a altura dos olhos de quem se sentava ali, foi:

         “Antes de mais nada, certifique-se que tenha papel.”

         E logo abaixo dessa, uma impressão digital meio apagada de cor marrom, que me deixou perturbado. Olhei para os lados e vi que tinha papel. Agradeci mentalmente pelo aviso, pois verificar sequer tinha me passado pela cabeça, tamanho o aperto pelo qual eu estava passando.

         Haviam também outros conselhos:

         “É melhor relaxar, meu amigo.”

         “Força.”

         “Não esqueça da descarga.”

         “Tenha fé que passa.”

         “Aproveita que cagar ainda é de graça.”

         Haviam também algumas coisas que eu não sabia se ria ou não:

         “Sexo anal é o mesmo que defecar para dentro?”

         “Apenas o odor me desagrada.”

         “E dizem que o buraco negro suga o universo... eles não sabem de nada.”

         Quando terminei meus afazeres ali e acionei a descarga, fui até a outra cabine e fechei a porta, esperando encontrar mais frases que pudessem me fazer rir. Mas não havia nada ali.

         Pensei comigo mesmo que isso indicava que eu não era o único que sentia certa segurança em ir no banheiro mais distante da porta. Saí dali aliviado e fui para casa.

         Dois dias depois, antes de pegar o ônibus na plataforma para voltar ao trabalho, um desses vendedores de canetas para instituições de caridade me ofereceu uma. Comprei uma caneta vermelha e dei uma passada rápida no banheiro apenas para deixar meu próprio recado:

 

         “Eis o trono da igualdade.”

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