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         Ainda bem que sou gay. Se não o fosse, talvez não pudesse entender como é ser um, vivendo neste mundo nada empático em que vivo. Se não o fosse, teria (talvez) uma visão menos completa do que é o Amor e todas as suas propriedades... talvez pudesse cair no erro de pensar que Amor é apenas o que sinto, sem nada ou ninguém que fosse capaz de me fazer enxergar as várias faces e facetas dele.

 

         Ainda (e digo ainda por ainda ser capaz de ver um lado bom nisso) bem que sou feio, se comparado com o que o mundo dita que é a beleza. Se não o fosse, vivendo neste mundo estúpido em que vivo, talvez possuísse minha visão desfocada pela minha bela imagem no espelho, sendo incapaz de perceber que beleza não se comercializa ou é padronizada.

 

         Ainda bem que sou pobre. Se não o fosse, talvez caísse na tolice de me apropriar de coisas que não preciso a ponto de tirar tudo de quem já pouco possui. Se não fosse pobre, temo ter sido-ia capaz de julgar-me melhor do que outros por antepassados meus que já não mais existissem terem se sobressaído sobre os antepassados dos outros que também já não existissem mais.

 

         Ainda bem que sou negro. Se não o fosse, preocupo-me que pudesse, talvez, precipitar-me a um abismo de desumanidade, vivendo neste mundo racista em que vivo. Já pensou se eu não o fosse? Estaria consideravelmente mais apto a julgar minha hipotética pele branca alguma espécie de argumento falacioso para dizer-me melhor que outros. Talvez até concordasse que meus bisavós hipoteticamente brancos tivessem o direito de escravizar e desumanizar os meus verdadeiros bisavós por serem negros.

 

         Ainda bem que sou mulher. Já pensou se eu não fosse? Vivendo neste mundo machista em que vivo, talvez me fosse normal e aceitável acreditar que teria direito, domínio e poder sobre as mulheres por ter um bastãozinho de carne entre as pernas.

 

         Ainda bem que não sou cristão. Já pensou se eu fosse? O risco de achar que meu deus e suas regras peculiares deve ser imposto sobre os que não o são seria grandioso. Grandioso a ponto de julgar, condenar, bater, humilhar, torturar e matar tanto física quanto mentalmente fosse atribuído a mim, e por mim, como um direito.

 

         Ainda bem que sou todas essas coisas, pois sei que vivendo neste mundo insano em que vivo, encontrar maneiras de ascender-me e sobrepor-me ao racismo, homofobia, preconceito, machismo e várias outras distorções é difícil, e que as pessoas, aparentemente, sequer tentam.

Ainda Bem!

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